domingo, 1 de novembro de 2009

Ressurreição


Luque e Vithor eram como irmãos. Nasceram no mesmo ano, na mesma vila. Cresceram juntos, fazendo de conta que gravetos eram espadas e que atravessar o riacho era como atravessar um rio de lava dominado por um dragão.Os dois cresceram, Luque decidiu ser um cavaleiro de uma ordem honrada, enquanto Vithor decidiu desvendar os mistérios da magia ancestral. Não se sabe se foi obra do destino ou fruto do acaso, mas quando Luque recebeu a missão de ser patrulhador, Vithor se tornou um pesquisador mágico e ambos passaram a explorar o mundo juntos, como nos velhos tempos. Lutaram contra necromantes, destruiram o reinado de déspotas e até mesmo levaram à baixo o covil de um saguinário dragão. Era uma vida sofrida e euxaustiva, mas como sonharam na infância, traziam a liberdade e a felicidade aos povos que ajudavam. Mas um dia, sem nenhum aviso sobrenatural como corvos ou gritos de fantasmas, a morte chegou. Enquanto enfrentavam um bruxo malígno, o mesmo, prevendo sua morte, levou consigo a alma de Luque e aquela dupla de amigos foi desfeita. Não havia volta, ninguém nunca havia voltado do outro mundo.
Mas isso não era para ser assim. Vithor se negava a dizer adeus. Ele decidiu que faria algo, nem que para isso tivesse que enfrentar ou pactuar com criaturas sombrias. Traria seu amigo de volta nem que tivesse que subir aos céus dos céus e implorar sob a face do deus dos deuses.
E, um dia, ele conseguiu.

Nessa quinzena, o tema da Iniciativa 3D&T é "morte". Vamos falar aqui sobre ressuscitar, ou, como voltar dos mortos sem ser um zumbi sem alma e devorador de cérebros.
Em alguns mundos, ressuscitar é tão simples como reunir esferas alaranjadas e invocar uma lagartixa verde gigante. Em Arton, temos o deus da ressurreição, Thyatis. Seus paladinos e clérigos sempre voltam dos mortos e esses últimos podem ressuscitar mortos. Além disso, a magia ressurreição pode ser aprendida por qualquer um (sem contar com o que acontece com quem mata uma fênix). Em mundos genéricos de Final Fantasy, heróis mortos podem ser ressuscitados com penas de fênix (phoenix down) e em outros jogos a coisa acontece de maneira semelhante, apenas usando um item banal diferente. No jogo Ragnarök (e em alguns outros), morrer é tão banal que ao morrer o personagem ressuscita automaticamente.
Além disso, o próprio 3D&T abre uma margem enorme para que os heróis voltem dos mortos. Além da já citada magia de ressurreição, temos as vantagens Imortal e Regeneração (essa última não ressuscita, mas dificulta que alguém morra de verdade).

Mas não precisa ser assim. Em alguns mundos, a morte tende a ser o final. A coisa pode ser tão extrema que ninguém sabe o que se encontra depois dela, já que ninguém nunca voltou de lá para contar. Em alguns universos, só se vive uma vez e ninguém ganha uma segunda chance, exceto almas amaldiçoadas pelos deuses, condenadas a viver ciclos eternos de vidas medíocres e mortes violentas.
Mas, e se alguém for lá? E se alguém descer no abismo mais negro, mergulhar no rio dos mortos, ver a terrível face de Hades, enfrentar titãs acorrentados e vender a própria alma ao demônios? Então, talvez, haja esperança. Talvez o amigo querido ou a esposa amada possam desfrutar dos dias sob o sol mais uma vez.

"Mas, tio, se a morte é o fim e é impossível voltar, como uma pessoa pode ser ressuscitada?"
Bem, essa é a questão. Como trazer alguém de volta?
A primeira verdade é: não é impossível, não no modo literal da palavra. Se fosse, bem, esse artigo não adiantaria de nada. Mas também não é fácil, não é banal, não é comum. Nenhum clérigo conhece o segredo, nenhum livro de magia traz a fórmula. Talvez isso nunca tenha sido feito antes.
Mas, no final, por mais difícil que seja, é possível.


Você nem imagina como a morte é.

Uma primeira pista sobre a coisa toda está na lei da troca equivalente (de Fullmetal Alchemist), que transcreve de um outro modo a primeira lei da termodinâmica. Em sua forma mais básica, ela pode ser expressada da seguinte maneira (nas palavras de Alphonse Elric): "Nada pode ser obtido sem uma espécie de sacrifício. É preciso oferecer em troca algo de valor equivalente". Talvez, para que uma alma volte, outra deva tomar seu lugar. Talvez uma alma nobre, ou pura, ou de igual valor, ou jovem, ou mais de uma alma. Talvez a própria alma de quem busca o ente querido, seja entreando ela no ato ou a prometendo no futuro, para toda a eternidade. Ou talvez o "valor equivalente" seja algo diferente de uma vida. Seja suor e esforço, seja uma missão em nome de um deus ou governante do mundo dos mortos. Mas não será fácil, não será simples, não será nada banal.
Em geral, aqueles que dominam sobre os mortos tendem a cumprir suas palavras. Não se sabe muito o porquê (então nada impede que isso seja uma falácia), mas o fato é que isso se mostra verdade. Talvez seja pelo seu contato com a eternidade, seu respeito pelo fim. Talvez seja pelo simples fato de cumprirem sua palavra em justiça à sádica promessa do herói de vender sua própria alma. Mas há quem diga que sejam assim porque os deuses da morte não tem domínio sobre aqueles para quem devem algum favor. Ou então, imagine uma alma te enchendo a eternidade toda porque você não cumpriu sua palavra.

Bem, mas, antes da tarefa, missão ou troca, existe algo que deva acontecer. O herói (ou quem quer que seja) precisa se encontrar com a morte, seja ela na figura de um deus, um anjo, um demônio, uma besta irracional, um lugar, um objeto (uma arma? um livro? uma fruta?) ou um fenômeno.
Talvez isso só possa acontecer diante de um ritual sagrado, de uma magia profana (ou o inverso de ambos), depois de uma longa jornada, depois de encontrar os portões do tártaro ou até mesmo se matando para ir ao outro mundo encontrar a pessoa querida e então encontrar um meiode retornar.

E agora você se pergunta: "pera aí, eu li tudo isso pra chegar onde?". Bem, desculpe, não podemos chegar em lugar algum, exceto naquilo que já existia desde o princípio: a morte é o fim e voltar dela é virtualmente impossível, mas talvez seja impossível olhar em sua face, mergulhar em sua essência ou visitar os seus palácios e trazer de lá quem se ama, para viver uma segunda vez.

Ah, sobre Vithor. O que ele fez?
Vou contar sobre o ritual dele. Não significa que funcionaria em todos os casos, mas foi mais ou menos assim:
Ele cortou sua mão e tirou sangue suficiente para invocar uma fada negra da corte unseelie. Fez ela le contar sobre o caminho para os palacios do fim, onde a morte reina. Lá ele enfrentou sete guardiões, e entre eles estavam bestas, demônios, titãs e até um exercito de seiscentos e sessenta e seis ghouls. No fim, ele encontrou Ereshkigal. Ela perguntou o que queria aquele que perturbava seu reino e ele respondeu. Ela propôs que ele se entregasse no lugar do amigo, uma troca justa. Vithor aceitou.
Ereshkigal viu que o ato dele era de amor, sem egoísmo. Queria dar a vida ao seu amigo, não para que ele próprio fosse feliz, mas pela felicidade do amigo. A deusa sorriu e, como toda boa mãe (porque ela é a mãe de muitos seres), entendeu e teve compaixão.
Luque morreu uma segunda vez, agora definitivamente, mas só cento e dez anos depois. Vithor morreu muitos anos antes, dentro do tempo normal de vida de um ser humano. Em vida, conheceu a magia mais profunda, desvendou secredos e percorreu os caminhos ocultos das fadas. E quando morreu, não se sabe ao certo, mas dizem que foi habitar o palácio de Ereshkigal, ser seu servo e conselheiro.
E há quem diga que ele e Luque continuam percorrendo o outro mundo como sempre fizeram em vida.

Bem, esse foi nosso artigo sobre a morte. Uma mistura de discussão de tema com conto. Espero que tenham gostado. E não deixem de visitar nossos parceiros de Iniciativa 3D&T:
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2 comentário(s):

zoreba disse...

Bem, é interessante.
Eu gosto de dar o direito de desafiar a morte na especialidade do personagem.
Por exemplo,eu tive um personagem de D&D especializado em intimidar os outros. Quando morreu, ele teve a chance de intimidar o proprio anjo da morte.
No caso passou (Com um 20 natural, o anjo da morte saiu com o rabo entre as pernas pra ser sincero).
Mas quando falham,bem ey raramente deixo ressucitarem, prefiro nem deixar falar com os mortos.

Ásbel disse...

É, não sou fã de ressurreição, volta dos mortos e tudo o mais.
A menos que seja muito difícil, arriscado e tenebroso. Nada de sacerdotes rezando e gente voltando dos mortos.